O “papel transformador” de uma profissão: a economia moral dos epidemiologistas no Brasil (1970-2000)
DOI:
https://doi.org/10.33871/nupem.2021.13.29.133-154Palavras-chave:
Epidemiologia, Epidemiologista, Economia moral, História da saúde, Saúde coletivaResumo
Discute a história da Epidemio-logia e dos epidemiologistas no Brasil, principalmente entre 1970 e 2000. A partir da década de 1970, a especial-zação e a institucionalização da Epidemiologia como uma disciplina mobilizaram o surgimento da figura do epidemiologista, um profissional de saúde cuja atuação é pautada na concepção coletiva do processo saúde-doença. Argumento que a conformação da figura do epidemiologista envolveu a constituição de uma economia moral desses profissionais, pautada na crença do caráter transformador da disciplina, na articulação de métodos quantitativos e análises sociais, no engajamento na defesa da saúde pública, e na centra-lidade da desigualdade como tema. Essa constelação de valores morais, episte-mológicos, metodológicos e políticos, entretanto, foi experimentada de diferentes formas pelos epidemiologis-tas. Acompanho a emergência da figura do epidemiologista desde os anos 1970 até o início dos anos 2000, observando como os elementos que constituíram a economia moral foram discutidos e projetados por atores e instituições.
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